Exu: Além do bem e do mal e o (in)tolerar religioso

PET Psicologia UFES
3 min readNov 11, 2022

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Milena Oliveira da Costa

O processo de dominação colonial ainda em vigor no Brasil, fora construído sob o pilar de um mundo congenitamente cindido entre pólos, o comum e o incomum, o bem e o mal, o sagrado e o profano, o eu e o outro, o normal e o anormal, etc. O poder dentro dessa lógica colonialista silencia, classifica, segrega tudo que é do outro ou oferece perigo à hegemonia em vigência, garantindo e perpetuando uma estrutura social de dominação e a manutenção de seus privilégios.

“A Colonialidade Cosmogônica é o efeito responsável pela invisibilidade, pela descredibilidade e pela destruição dos sistemas gnosiológicos […]” (NOGUEIRA, 2020, pag. 29). No centro da colonialidade cosmogônica encontra-se a divisão binária social/natureza promovendo uma cisão entre espiritualidade e realidade material. A visão colonialista não considera possível a coexistência do humano e espiritual, incluindo a ancestralidade, dessacralizando os saberes e ritos que possuem uma cosmovisão que atrela a vida material, o espiritual, o sagrado da territorialidade e o tempo, desqualificando e confrontando esses saberes seja através da violência ou da imposição pedagógica de uma forma de saber universal e salvadora.

Dentro da lógica colonialista se coloca o racismo epistêmico que atua embranquecendo, apagando, demonizando e invalidando saberes afrocentrados. A partir dessa premissa, o país do mito da democracia racial vislumbra essa prática como “intolerância religiosa”: “São tentativas organizadas e sistematizadas de extinguir uma estrutura mítico-africana milenar que fala sobre modos de ser, de resistir e de lutar.” (NOGUEIRA, 2020, pág. 29). Ora, tolerar implica aceitação e condescendência com algo que não se quer ou não se pode impedir, não há a intenção de se conhecer e entender ou muito menos respeitar, apenas se tolera dentro de seu determinado espaço restrito. Se concede a quem tolera o poder de consentimento sobre aquilo que pode ou não existir, é preciso subverter a lógica de que basta tolerar pois essa lógica impede a existência autônoma do que difere do padrão aceitável pela ideologia dominante.

O conservadorismo não compreende e não tolera a diversidade das encruzilhadas e a controvérsia de Exu. O cristianismo europeu indica apenas um caminho, o certo. Exu subverte essa ordem já em seu ponto de firmeza, a encruzilhada, onde se tem 7 caminhos: os 04 caminhos visíveis, para baixo, para cima e pra dentro de si mesmo, vias essas que não se constituem em direções certas ou erradas mas que empreende uma noção responsiva, rejeitando a culpabilização cristã.

Constantemente associado ao diabo, um personagem do cristianismo detentor de toda maldade, Exu é o orixá/entidade que mais se aproxima da figura do homem. Não é possível enquadrar Exu dentro dos extremos de “bom” e “mal”, Exu é capaz de amar e odiar, capaz de promover a paz e a guerra, assim, Exu não quer ser tolerado e sim respeitado e para se respeitar é preciso conhecer e não apenas tolerar sua existência. A normativa colonialista cosmogônica nunca será capaz de tolerar os saberes afro diaspóricos pois seu pilar implica apenas uma verdade, um caminho, um dogma e apenas a figura de Exu já pressupõe 07 caminhos diferentes subvertendo toda sua narrativa.

“Onde já se viu, na sociedade que vive da punição, da tortura e do encarceramento, se conceber a possibilidade de uma lógica exuística, na qual um erro possa vir a ser um acerto?” (pág. 62). É perceptível a negação da existência através do discurso no atual momento político brasileiro, um projeto de poder baseado no proselitismo eleitoral que se apresenta como discurso inofensivo e cristão mas que coloca como único caminho “Deus acima de tudo” para o “Brasil um país de de todos”, porém do que é formado esse “todo”? A quem é direcionado esse discurso? Percebemos uma controvérsia quando os não tolerados são os praticantes de religião de matriz africana, e não sendo tolerados onde ficam esses dentro desse “todo?

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Nogueira, S. Caminhos da história da intolerância religiosa. 2020.

Bagetti, W. S. Exu — Além do bem e do mal. 2012.

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